NOTAS SOBRE AS SUAS ORIGENS (1794-1882)












Vários autores, como Vieira Jr. (1896), António Correia (1950) e o Conde dos Arcos (1972), têm afirmado que a Capela da Costa da Caparica, também conhecida como a igreja velha (Fig. 1), foi edificada entre 1880 e 1882, substituindo uma pequena capela de madeira e colmo construída pelos primeiros pescadores a fixarem-se na Costa. Contudo, como oportunamente escrevi em alguns artigos e apresentei numa comunicação feita em Dezembro de 2017 na própria capela, há alguns dados menos conhecidos, que parecem afirmar uma história ligeiramente diferente e que a seguir enunciamos.
De facto, não se sabe quando foi edificada a primitiva Capela da Costa, que seria uma construção simples de madeira e colmo, mas a mesma terá sido obra dos primeiros pescadores a fixarem-se no lugar, depois de 1770, talvez em 1780 – data do cruzeiro existente no adro do cemitério, sendo certo que a mesma já existia em 1785, como se refere num livro de actas da Câmara Municipal de Almada, «mandado colocar Edital na Porta da IRMIDA DA PRAYA DA COSTA» em 11 de Agosto de 1785.
É muito provável que esta ermida de 1780/85 fosse a mesma contida na descrição que Luz Soriano fez do famoso incêndio das barracas de pescadores ordenado pelo Marquês de Pombal em 23 de Janeiro 1777 n’«um areial aberto, onde em choupanas de palha, lona e madeira haviam mais de cinco mil fogos, com muitas e bem providas lojas de comestiveis e fazendas, tendo tambem sua ermida para administração dos sacramentos». Segundo o mesmo autor «deu muito trabalho a salvação da ermida, correndo fama que muitas pessoas morreram incendiadas, porque havendo paes que queriam sair com os filhos, e os sãos com os doentes, já não poderam salvar-se, morrendo uns e outros queimados» (Soriano, 1867: 177-178). Tradicionalmente localizado em Trafaria, este incêndio terá sido na realidade nas Cabanas da Praia da Costa pois, como demonstrou Carlos Barradas Leal (em 2014) tendo por base os relatos do viajante espanhol José Cornide (em 1801) – «desde estas playas continúa un bajo de arena hasta la Torre del Bugio (…) desde este bajo vuelve la Costa a ser dondeable y de mucha pesca, para ejercerla, se ha establecido una colonia de pescadores media legua al sur, formando un lugarcito de barracas cubiertas de paja (…) El Marqués de Pombal no podia sufrir este establecimiento porque decía que era un refugio de bandidos y gente ociosa; pero aunque en un’a ocasiên ,mandõ poner fuego a las casas, no pudo acabar con ellas!».
A actual capela de pedra e cal não foi edificada apenas em 1882, mas tudo indica que já existia em fins do século XVIII. Para tal, atente-se que num dos livros de registo da Paróquia do Monte de Caparica o antigo Reitor Encomendado da Caparica, Carlos Domingues, afirma que «por despacho de vinte e quatro de Novembro de mil e settecentos e noventa e quatro anos (1794) do Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarcha (…) em o dia 7 de Dezembro do mesmo anno fui benzer a NOVA ERMIDA erecta no dito sítio da Costa e pelo mesmo despacho dá o dito Eminentíssimo Senhor poder ao Parocho desta freguesia de Nossa Senhora do Monte de Caparica para na dita Ermida ter toda a Intendência e inspecção e para nella Cantar as Missas e preceder a todas as funcçõens Sagradas que nelas se fizerem e que milhor conste pelo requerimento dos moradores da Costa».
Nas cartas topográficas do Major Sousa Brandão (1812) e do Brigadeiro Costa Neves (1816), a capela da Costa aparece sinalizada como um dos poucos edifícios de alvenaria da Costa, o que tudo parece confirmar o que em 1876, i.e. seis anos antes da obras de 1882, afirma João Maria Baptista, na sua Chorographia moderna do reino de Portugal, que o «Lugar ou povoação da Costa, que fica uma légua para S. S. O. da Trafaria, pela grande volta da estrada, compõe-se de habitações de colmo, porém sólidas e commodas. DE PEDRA SÓ HÁ A EGREJA, BELLO TEMPLO CONSTRUÍDO NO SÉCULO XVIII, e uma casa onde habitou D. João VI quando ali foi, como egualmente foram a senhora D. Maria II e el-rei o sr. D. Pedro V, em differentes épocas, visitar aquella singular povoação quasi exclusivamente de pescadores».
Esta capela ou igreja aqui mencionada como de pedra (Fig. 2) fora, de facto, visitada e benzida «em o dia quatorze de Dezembro do corrente anno (de 1874), e depois de inspecionada por (…) Felisberto Dias Fontes Barbosa, Prior da Freguezia, a CAPELLA ERECTA NA COSTA, como o titulo de Nossa Senhora da Conceiçaõ, A ACHEI RESTAURADA, e na maior decência possível, provida de todas as alfaias e paramentos necessários para servirem no Santo Sacrifício da Missa. Declaro mais que tendo procedido a bençaõ da Capella», segundo documento existente no Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa. Depois de benzida a restaurada capela da Costa sucedeu-se uma festa anunciada no Diário Illustrado de 20 de Dezembro de 1874 (Fig. 3).
Posteriormente foi objecto de obras de reedificação e ampliação entre 1880 e 1882, como demonstra a inscrição do sino – «MANOEL ANTONIO DA SILVA FILHOS -LISBOA ANNO DE 1881» (Fig. 4) – e as contas publicadas (em 1950) no Jornal Praia do Sol, por António Correia, referentes a pinturas, estuques, douradura dos altares, altear e forrar a Capela do Senhor dos Passos, ampliar e ladrilhar a Sacristia, fazer, pintar e estucar a cimalha da frontaria da igreja, e colocação de azulejos.
Só em 29 de Dezembro de 1849, por escritura de obrigação dos Mestres de redes de pescar da Costa da Caparica, se fixou uma renda «para o culto cristão e que têm conservado de seus antepassados em huma Ermida de invocação de Nossa Senhora da Conceição e ultimamente edificaram um cemitério (em 1847-48) e tudo isto têm feito de esmolas de que todos têm concorrido e para conservarem a dita Ermida e Cemitério e guisamento indispensável para a continuação do culto Divino (…) concorrendo de cada rede um quinhão e de cada cabaz de peixe 10 reis».
Além do cofre do quinhão das pescas, foi ainda grande benfeitor da capela o «brasileiro torna-viagem» João Inácio da Costa, o «João de Alfama», que além de patrocinar as obras de reedificação / ampliação de 1880-82, também deixou no seu testamento feito em 1884, «Para as obra da Capella da Costa o capital nominal de 1:000$000 (um conto) réis em inscripções».
Rui Manuel Mesquita Mendes
MONTE DE CAPARICA, 28 de Outubro de 2020
Fonte: https://www.facebook.com/groups/4025829037450502/permalink/4089905321042873/?paipv=0&eav=AfafROuy_ge6EIHkjka7dxy6PtzHe5jWpk9Wn0Pu9fpW8TKeKE2FXumidnutQSh8r7c&_rdr